Com esta postagem procuramos atualizar o leitor da dinâmica traçada pela inflação no Brasil, nos EUA e na Europa, tornando claros os principais vetores que contribuíram para a deterioração, além de apontar alguns riscos indo à frente.

Em linhas gerais, a inflação segue bastante pressionada ao redor do mundo, com folego renovado na forma dos preços de energia e combustíveis, além de alimentação. Sob este pano de fundo, os bancos centrais avançam nos processos de normalização monetária e transmitem mensagens bastante duras. A mudança na postura dos BC’s e as sinalizações das autoridades dão combustível para as taxas de juros de mercado, que já apertam as condições financeiras como um todo.

De outro lado, o tamanho do choque legado pelos efeitos secundários da guerra atua como um imposto, destruindo demanda e corroendo a renda real da população.  Neste contexto, destacaremos os riscos de recessão legados pela perversa combinação de fatores que descreve o cenário corrente.

De forma ampla, de dezembro para cá o caminho percorrido pela inflação aqui e lá fora foi de contínua pressão. Em resumo, nos EUA o CPI (IPCA deles) saiu de7,1% ao final de dezembro para 7,6% ao cabo de fevereiro. No Brasil o IPCA seguiu ilustrando resultados piores que o antecipado na passagem de dezembro a janeiro e janeiro a fevereiro, puxando a inflação anual para mais de  10,5%. Mesmo na Europa, olhando para o indicador agregado da Zona do Euro, a inflação em 12 meses avançou de 5,0% a 5,9% neste período. Para contexto, ainda em julho do ano passado a inflação era de 5,3% nos EUA, de 9% no Brasil e de apenas 2,2% na Zona do Euro.

Por detrás destes movimentos ao nível do consumidor, e tracionando sua expansão, observamos também importantes movimentos nos preços de commodities. Neste caso, o conflito que eclodiu em finais de fevereiro na Ucrânia teve contribuição especial, em particular em alguns grãos e petróleo. O preço destas commodities avançou fortemente, se compararmos as cotações de janeiro com o preço de fechamento em 24/03. Em destaque, dentre commodities selecionadas, figuram os preços do petróleo Brent (+36,2%) e do trigo (+40,5%), diretamente impactados pela guerra. Demais grãos como a soja (21,0%) e o milho (26,1%) também anotam variação importante, adicionando combustível as pressões de preço sobre insumos e alimentos. No caso do minério de ferro (+4,9%), as dificuldades enfrentadas pela China e as perspectivas de alguma desaceleração no crescimento global, amplificadas com os impactos inflacionários da guerra, evitaram valorização observada no petróleo e grãos.

Para melhor contextualizar a magnitude dos movimentos de preços em commodities faremos um pequeno detour. Em particular, entender a força das pressões passa por ilustrar a importância de Rússia e Ucrânia nos mercados globais.

Olhando para os cereais, em uma amostra que percorre de 2002 a 2020, ambos os países responderam por cerca de 6,0% de toda a produção global. No caso do trigo em particular, essencial para a segurança alimentar, ambos os países produzem cerca de 14,5% de toda a produção mundial. Com a guerra em solo ucraniano fica comprometida a colheita e a distribuição das culturas do país, impondo pressão sobre a oferta global. Ao mesmo tempo, importantes sanções econômicas e financeiras à Rússia dificultam o acesso aos produtos e a própria execução de pagamentos.

No que tange à Rússia a situação é particularmente alarmante no caso do petróleo. Do ponto de vista da produção, os russos são um dos maiores players globais. Em 2020, por exemplo, a Rússia produziu mais petróleo do que a Arábia Saudita ou qualquer outro membro individual da OPEP. Em média, desde 2002, os russos responderam por 13,3% de toda a produção global, ante 12,9% dos sauditas e 10,1% dos EUA (com o ganho de escala no fracking o share americano subiu para uma média de 13,3% desde 2013).

Os movimentos descritos para as commodities, em especial o petróleo e os alimentos, são fundamentais por dois aspectos.

Primeiro, pois afetam componentes que vem gradualmente ganhando importância na explicação da dinâmica inflacionária ao redor do mundo. Inclusive, a contribuição destes itens sobre a inflação cheia já e das maiores em muitos anos, contribuindo para manter a inflação como um todo bastante pressionada. Demais, o avanço recente ainda deve chegar aos consumidores, contratando maior inflação por todo este ano.

Em segundo lugar, estas pressões são importantes na medida em que atuam quase como um imposto sobre os consumidores, destruindo, na prática, demanda. Quer dizer, avanços expressivos em preços básicos como a energia e a alimentação afetam em cheio os orçamentos familiares, reduzindo a renda disponível para o consumo discricionário. No caso de combustíveis em particular a pressão tem o maleficio adicional de encarecer parte expressiva dos custos da economia, na forma do transporte.

Em suma, o avanço do petróleo e de commodities agrícolas deve garantir inflação bem mais pressionada por todo o ano. Vindo de um cenário já de persistentes pressões, os países têm menor capacidade, ou disposição, de absorver estes impactos sem alterar a política monetária. Na verdade, já antes da guerra observávamos movimentos de mudança de postura por parte dos BC’s, inclinados agora ao aperto e a normalização.

Para além do impacto que virá dos apertos de juros e das condições financeiras, o próprio movimento de preços deve atuar como uma força baixista sobre a demanda, na medida em que comprime a renda disponível da população. Neste contexto, começam a ganhar corpo os riscos de recessão em algumas economias no próximo ano. Um aperto de juros mais forte, no caso de os BC’s avançarem para além do juro neutro em resposta à inflação, amplificaria o risco de contração nas economias. Não se trata ainda de um cenário base, mas de um importante risco a ser monitorado. Em especial, trata-se de um risco que se elevou na margem, na esteira das commodities e da postura pro-ativa dos bancos centrais.

Seguiremos monitorando a evolução dos acontecimentos, volta e meia retornando a este espaço para mantê-los informados!.

Até a próxima e obrigado.

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