As incertezas que marcaram os últimos meses encontram reforço de novos elementos no cenário internacional e doméstico
O que você vai encontrar nesse artigo:
- No exterior, estamos atentos aos próximos passos da política monetária nos EUA e aos possíveis impactos desestabilizadores que podem produzir sobre economias como o Brasil.
- A evolução da Covid, da situação de oferta, dos precos das commodities e da inflação são outros pontos centrais, amplamente associados à trajetória que a evolução dos juros americanos irá assumir.
- Monitoramos a evolução da economia chinesa receosos de que o crescimento pode surpreender para baixo.
- No Brasil, para além das incertezas particulares ao período eleitoral, preocupamo-nos com as perspectivas para o (não)crescimento da economia.
- Em destaque, identificamos o risco de os juros subirem demais, comprometendo o consumo e o investimento neste ano e dificultando o cenário para 2023. Tudo isso buscando reduzir uma inflação que pouco dialoga com os canais por onde os juros normalmente são capazes de atuar.
- Por fim, olhamos com atenção as notícias do campo, monitorando os impactos dos problemas climáticos sobre as projeções de safra recorde nos grãos, que traria consequências ainda mais negativas para as projeções de PIB neste desafiador ano de 2022.
O futuro da política monetária americana concentra atenções, em particular pelos efeitos que usualmente carrega sobre os ativos de risco e as economias em desenvolvimento. Em particular, analistas se debruçam sobre os riscos de um aperto mais intenso do que o esperado até o final do ano passado, ao mesmo tempo em que digerem a redução no balanço do próprio banco central em intensidade bem maior ao observado no último ciclo.
Em linhas gerais, a evolução recente da inflação e do mercado de trabalho, em uma economia com crescimento robusto, dispensa a necessidade de estímulos adicionais. Neste ambiente, o banco central americano sinaliza o começo de um ciclo de alta nos juros e a redução do volume de ativos em sua carteira. A consequência prática desta comunicação mais dura (hawkish) do FED e do progresso no ciclo de aperto é o avanço das taxas de juros, em particular dos vencimentos mais curtos da curva de juros norte-americana.
Com juros mais altos, usualmente se observa o fortalecimento da moeda americana, que tende a se beneficiar do fluxo de recursos atraído pela elevação de juros. Este efeito é ampliado pelo fato de os títulos do tesouro americano serem considerados os mais seguros do mundo, demandados por fundos, empresas e mesmo outros bancos centrais.
Somado à redução dos ativos na carteira do FED, expressivamente elevada após o QE (quantitative easing) dispensado após a pandemia, devemos ter importante redução da liquidez nos mercados, que deve afetar também os níveis dos mercados acionários, o crescimento da economia e as cotações de commodities.
Para países emergentes, a redução de liquidez e um dólar mais forte tende a se traduzir na forma de saída de recursos dos mercados financeiros e consequente desvalorizações da taxa de câmbio. A pressão no câmbio tende a puxar a inflação e os juros, apertando as condições financeiras das economias emergentes e afetando o ritmo de crescimento econômico.
Estes efeitos são particularmente mais intensos quando os países se encontram com elevado déficit na conta de transações correntes, que registra as transações e as remessas de renda com o resto do mundo. O déficit na conta corrente demanda a entrada de investimentos (diretos e financeiros), o que amplia a pressão num mundo de dólar mais caro e escasso.
Em nossa visão, o Brasil em particular está menos exposto do que em outros períodos. Nossa percepção se assenta em três fatores: 1) o déficit em transações correntes é muito menor 2) a moeda já vem de forte desvalorização e encontra-se em níveis historicamente deprimidos 3) o país está muito a frente do ajuste de juros e já paga o maior juro real do mundo.
Ainda assim, sempre que os EUA mexem nos juros há de se ficar vigilante. Demais, se o FED for levado a uma postura ainda mais dura do que está precificado podemos ter bastante turbulência e importantes correções nos ativos de risco americanos e emergentes. Esse risco é tão maior quanto mais persistente for a inflação.
Ainda na cena externa, a Covid e os problemas nas cadeias de oferta seguem como um importante fator de risco no cenário para este ano. Não se sabe acessar ao certo o risco de novas variantes e ondas da doença, cujo impacto sobre as cadeias é notório. Se as ondas mais recentes têm ilustrado menor impacto sobre o nível de atividade econômica o mesmo não pode ser dito para as cadeias de suprimento e para a inflação.
Com efeito, os surtos mais recentes têm contribuído para ampliar os já amplos “backlogs” ao longo das cadeias, na produção e no sistema de logística global, como observado após o fechamento de portos chineses na ocasião de um surto. O risco da Covid voltando a pressionar as cadeias se refletiria em maior persistência da inflação, em um cenário de preços já pressionados.
Desde meados de 2020 a inflação avança em todo mundo, tracionada pelo avanço das commodities e pela pressão de demanda vide uma oferta bastante afetada. A persistência destas pressões deixa os BC’s ainda menos dispostos a tolerar novas pressões inflacionárias, que poderiam surgir caso novas cepas da Covid retornem a impactar as cadeias globais. Nesse sentido, mais do que um risco à atividade, enxergamos na Covid um risco material à inflação e, através dela, às economias (seja pela redução da renda real, seja pela resposta que tenderia a exigir do ponto de vista dos juros).
Ressaltamos tambem o risco de eventos geopolíticos pressionarem a trajetória das commodities energéticas ao longo deste ano. Em destaque, mencionamos o risco da escalada de conflitos na Ucrânia, com consequências diretas sobre as cotações de petróleo e gás natural. Mesmo sem qualquer escalada de natureza bélica, as tensões, conquanto seguirem altas, devem manter pressionadas as commodities energéticas, já protagonistas no movimento de alta da inflação ao redor do mundo.
Por fim, ainda nos temas ligados ao exterior, gostaríamos de atentar para a evolução da economia chinesa. Em particular, para o risco de uma trajetória abaixo do esperado.
Como já trabalhamos em postagem recente, o gigante asiático tem avançado sobre o excesso de endividamento e alavancagem em um dos mais importantes setores da economia: o mercado imobiliário. Investidas regulatórias se traduziram em pressão financeira sobre grandes players, dos quais a Evergrande é o principal representante.
Este “crackdown” sobre o setor tem gerado bastante turbulência na economia, se expressando em menor dinamismo no crescimento econômico. Como reflexo destes movimentos e do impacto baixista sobre a economia, as autoridades chinesas voltaram a afrouxar a política monetária, pela primeira vez desde o pior momento da pandemia.
Em nossa visão, a postura do Governo reflete os temores a respeito de uma desaceleração mais pronunciada da economia. Esta visão é reforçada ao constatar a letargia do consumo doméstico chinês, que não seria capaz de compensar a desaceleração no complexo de real state e infraestrutura.
Demais, a demanda externa, que muito têm contribuído para a expansão chinesa, mais intensamente desde a pandemia (dado o boom de consumo de bens ao redor do mundo e o dinamismo do país enquanto “fábrica do mundo”), ilustra perspectiva de desaceleração neste ano, à medida em que a economia e os juros caminham para a normalidade. Desta forma, o setor externo oferece menor capacidade de sustentar crescimento na hipótese de uma demanda doméstica cadente. De outro lado, o consumo das famílias, salvo transferências fiscais, não ilustra dinamismo e não deve ser capaz de compensar desaceleração nos outros componentes do PIB.
Os mercados, na notícia de novos estímulos, têm confiado na trajetória de robusta expansão da economia chinesa. De fato, historicamente, o Governo têm sido amplamente capaz de produzir crescimento em linha com as metas estipuladas, valendo-se de uma série de instrumentos de política, como faz agora.
No entanto, também historicamente, um poderoso veículo para se alcançar as metas de crescimento foi justamente o setor de infra e imobiliário, origem das dificuldades crescentes. Manter o crescimento robusto mesmo neste cenário nos parece menos trivial, e entendemos que o tema irá merecer continua atenção no curso deste ano. Em potencial, uma trajetória mais branda da economia chinesa poderia imprimir pressão de baixa sobre as cotações de commodities.
No Brasil os efeitos se expressariam tanto via preço como quantidade, dado que a China tornou-se de longe o maior parceiro comercial do país.
Em se falando de Brasil, para além da volatilidade e incerteza já contratada pela ocorrência de eleições neste ano, enxergamos risco relevante no âmbito da atividade econômica. Em destaque, enxergamos o risco de “overkill” da economia a partir do forte aperto de juros. Mesmo sujeita, ainda, a poucos impactos do aperto de juros, a atividade econômica já se encontra em situação ruim. À medida em que os impactos da alta já contratada, além das altas programadas, chegarem à atividade não pode ser desprezado o risco de recessão no país.
O motivo para o ajuste nos juros é a trajetória da inflação brasileira, que atingiu 10,2% em 2021, superando o teto da meta naquele ano. Para 2022, mesmo com perspectivas de importante desinflação (5,3%), motivada em parte pela demanda em rumo de queda, as projeções indicam outra vez que a inflação deve superar o teto da meta (5,0%). Em função destes números, o BC avança no aperto de juros, que já somam 10,75% a/a.
Em menos de 12 meses os juros terão saído de 2,0% para provavelmente algo perto de 12,25%. Tamanha mudança irá cobrar caro preço sobre a atividade econômica, mas a política monetária atua com defasagens. Ou seja, mudanças nos juros hoje levam alguns meses (6-9 meses) para impactar a economia, de tal sorte que boa parte do aperto já entregue ainda será revelado nos dados vindouros.
Em nossa visão, se os dados de inflação voltar a surpreender para cima as pressões por juros mais altos devem prosperar, trazendo risco importante de uma economia ainda mais deprimida neste e mesmo no próximo ano. O mercado trabalha com juros que encerram este ano na casa dos 12,0%, mesmo com uma inflação em rumo de desaceleração, de cerca de 10 para cerca de 5.
Neste ambiente, a dose de juros ameaça comprometer também o desempenho de 2023, produzindo sacrifício maior do que o necessário para produzir a convergência da inflação para a meta.
Todas estas questões são ainda mais importantes quando consideramos o caráter da inflação brasileira recente.
Pressão de demanda é algo que inexiste e boa parte da inflação corrente reflete sucessivos choques de oferta e seus repasses ao longo da cadeia. Aqui não referimos apenas aos bens industriais, mas também outros preços como os serviços.
A forte expansão do custo de energia e combustíveis, vilões de inflação em 21, pressionam custos destes empresários que também se movem para proteger a rentabilidade e ajustam preços. Subir juros não deve contribuir para que a situação da oferta global normalize ou que o dólar deixe de refletir os riscos políticos e incertezas locais. Na prática tende a deprimir uma demanda já fraca.
Em resumo, entendemos que a dose de juros será decisiva para derrubar a atividade, mas menos eficaz em sustar o ímpeto da inflação.
Entrando no mérito da atividade, perspectivas de robusta safra de grãos alimentavam a esperança de que o campo poderia amortecer parte dos impactos negativos vindo dos juros. Recentes dificuldades climáticas e relatos de quebras nas safras, em particular da soja no Sul, colocam em xeque as projeções mais otimistas para o PIB do agro, imprimindo viés de baixa às já deprimidas projeções para o crescimento da economia como um todo.
O mercado de trabalho ainda muito deprimido, marcado por profunda queda nos salários reais e por retomada concentrada nos empregos de pior qualidade é parte importante do cenário esperado para a economia. Conjugado à inflação corrente pressionada e ao elevado endividamento das famílias brasileiras, produz perspectivas pouco animadoras para o futuro do consumo neste ano de 2022.
Olhando para os investimentos, o aperto de juros, o nível deprimido da economia e a imprevisibilidade são poderosos desincentivos aos novos projetos. O custo do crédito sobe bastante com a mudança na taxa de juros, tornando mais caro e arriscado novos gastos de investimento.
No mesmo sentido, a capacidade ociosa ainda é relevante e não existem perspectivas positivas para a economia, que justificassem a expansão desta capacidade.
Por fim, a incerteza quanto ao próximo governo e as políticas por ele priorizadas favorecem o adiamento de decisões tão importantes quanto às relativas aos investimentos.
A recomposição de estoques no setor industrial até pode oferecer algum suporte contra os amplos vetores de baixa para a atividade, mas a perspectiva de uma economia em expansão durante 2022 parece cada vez mais distante.
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