Olá leitores, bem-vindos de volta ao nosso Blog. No tópico de hoje, falaremos sobre os principais desafios à manutenção da trajetória de crescimento da economia brasileira. Em particular, traremos atenção especial às perspectivas para o segundo semestre, sob um pano de fundo que envolve pressões inflacionárias persistentes e juros mais altos ao redor do mundo, além de uma coleção de ventos contrários no plano doméstico.

PIB: Evolução Recente

Para avançar sobre a análise prospectiva, cabe alguma contextualização a respeito da dinâmica recente da economia brasileira. Com a eclosão da pandemia e dos movimentos de restrição à mobilidade e ao funcionamento dos negócios, a economia brasileira amargou, durante o 1° e o segundo trimestres de 2020, importante recuo (-5,6% na média). A partir do 3° trimestre daquele ano, uma conjunção de fatores, domésticos e externos, contribuíram para a célere retomada do nível de atividade, apenas pontualmente interrompido ao segundo trimestre do ano passado (-0,2%).

Para este movimento, quando analisamos pela ótica da demanda, os componentes que tracionaram a retomada da atividade foram os investimentos, exportações e o consumo das famílias (em particular durante 2020, quando do amplo estímulo fiscal). No primeiro caso, o gasto foi impulsionado pela histórica redução na taxa de juros (que foi a 2,0% a.a), que somou ao estímulo oriundo da forte elevação nos preços internacionais das commodities para tracionar o investimento privado. Símbolo deste movimento é a aquisição de caminhões, que cresceu 43% em 2021 e retomou volumes não observados desde a crise de 2015.

No caso das exportações, o aumento na demanda por commodities, inseridas no quadro de aumento expressivo do consumo de bens ao redor do mundo, casado com a referida elevação de preço, são importantes fatores a explicar o bom desempenho. Já no caso dos gastos de consumo, a perda de renda legada pela eclosão da pandemia e o fechamento da economia produziu importante contração, sequencialmente devolvida pelo agressivo pacote de transferências fiscais promovidos pelo Governo.

Já em 2021, com menor ajuda do setor público e em meio a um mercado de trabalho ainda complexo, a contribuição marginal do consumo perdeu importância, voltando a crescer agora no 1T22 com o ganho de tração na reabertura e no consumo de serviços.

Em síntese, sustentamos que boa parte do dinamismo neste processo de retomada do tombo legado pela pandemia derivou de boa performance do investimento, estimulado por juros baixos, crédito e preços de commodities em alta; e pelas exportações, valendo-se de maior demanda global por commodities e pela expansão de preço. O consumo das famílias ajudou na segunda metade de 2020, ganhando mais tração a partir do terceiro trimestre de 2021 à medida em que progredimos no movimento de reabertura e retomada.

Olhando à frente, enxergamos importantes ventos contrários à manutenção da trajetória esboçada pela economia brasileira, que devem impactar decisivamente estes componentes que tracionaram a demanda até aqui. Em particular, atentamos para: 1) a velocidade e extensão do ciclo de aperto monetário, potencializado pelo ganho de potência na política monetária; 2) a persistência e a composição das pressões inflacionárias; e 3) a desaceleração da economia global.

Embora a estimativa para o segundo trimestre ainda seja de crescimento, esperamos uma contração da atividade na segunda metade de 2022, resultando em uma projeção de 0,85% de crescimento anual, cenário menos otimista que o do mercado em geral. A surpresa recente com os indicadores de atividade, que motivou a majoração das expectativas de crescimento, reflete uma realidade já distante. De fato, parte do dinamismo esboçado até aqui dialoga com medidas pontuais de estímulo e que não se reproduzirão no segundo semestre, como a antecipação do 13° e o saque extraordinário do FGTS.

Política Monetária

Demais, extrapolar o dinamismo recente é omitir a natural defasagem com a qual opera a política monetária. Atribuímos relevante importância aos efeitos defasados do forte e célere aperto de juros já entregue pelo nosso BC, que, vale reforçar, ainda não consolidou o final do ciclo de altas.

Em termos simples, os efeitos práticos de mudanças nos juros sobre inflação e atividade operam de maneira gradual e espaçada no tempo, levando, a depender das estimativas, de 6 a 9 meses para se fazerem sentir na economia real. Além disso, entendemos que a eficácia da política monetária, ou seja, o impacto de mudanças nos juros sobre a economia, é hoje potencialmente maior do que em qualquer outra instância desde o Plano Real.

Sobre este último aspecto, vale um pouco mais de detalhe. Em nossa leitura, os elementos que conferem à política monetária maior potência hoje dizem respeito, em especial, à menor importância do crédito direcionado sobre a dinâmica do crédito em geral, além das menores distâncias entre as taxas praticadas neste mercado e aquelas vigentes no mercado livre.

Quer dizer, no passado, além de o crédito direcionado (apoiado pelo Governo) ter extensão maior, o valor das taxas subsidiadas podia diferir bastante dos juros de mercado, que tendem a refletir o juro básico (Selic), mais um spread e prêmio de risco.

Na prática, significa que em momentos anteriores, os efeitos de uma Selic mais alta eram restritos à parcela menor dos mercados de crédito. Exemplo simbólico deste movimento diz respeito ao BNDES, em particular à taxa básica que indexa os contratos.

Sob o regime da TJLP, a taxa de empréstimos do BNDES era definida por uma parte prefixada, definida pelo governo e praticamente estável, somada à meta de inflação. Com a instituição da TLP, a taxa passou a ser definida pelo juro real da NTN-B de cinco anos mais a inflação realizada no período. Assim, as taxas praticadas pelo BNDES passaram a ser mais próximas das taxas praticadas pelo mercado, que melhor refletem a postura da política monetária.

Para além deste último ponto, nota-se uma diminuição da participação do BNDES e de outras instituições na concessão de crédito total, e um aumento na concessão de crédito livre em comparação ao direcionado, além de um menor gap entre a taxa média de juros livres e direcionados para PF e PJ. Ao mesmo tempo, há maior participação de bancos e do mercado de capitais em geral, seja por alavancagem via emissão de títulos privados ou pelo mercado acionário, onde os agentes estão mais sujeitos a variações nas condições financeiras (que sofrem decisiva influência da política monetária).

Mas, como dissemos, não se trata tão somente de maior potência da política promovendo maior impacto sobre a economia. Vale ressaltar que, mesmo sem qualquer inferência a respeito de potência, o aperto e a velocidade já contratados são notáveis na história recente do país. Os gráficos abaixo ilustram este ponto, como expressa pela inclinação da curva que descreve a evolução da Selic, assim como a dose de aperto acumulada nos últimos 12 meses.

Em resumo, parte importante das restrições ao crescimento derivam da evolução e postura da política monetária, por efeito de: a) a intensidade e velocidade do aperto; b) desfasagem com a qual os impactos aterrissam na atividade, que garante que boa parte dos efeitos legados pelo aperto já entregue estão para chegar na economia real; e c) da maior potência da política monetária vis-à-vis outros ciclos de ajuste.

Nesse contexto de política monetária mais potente, o aperto de juros reduz ainda mais o dinamismo do investimento, que já se mostrou enfraquecido no primeiro trimestre de 2022, principalmente devido à queda na demanda por máquinas e equipamentos. Essa perda de dinamismo se fará ainda presente no restante do ano, de maneira mais expressiva sob importantes itens da demanda, em especial o consumo e o investimento. Quanto ao investimento, isso se dará tanto pelo encarecimento do crédito quanto pelo aumento no custo de oportunidade na aquisição de bens de capital. Do lado do consumo, o aperto das condições financeiras para as famílias afeta o consumo de bens duráveis, altamente dependente do crédito, enquanto a inflação afeta o consumo de não duráveis.

Consumo das Famílias: Inflação consome renda

Os efeitos da política monetária são acrescidos de ventos contrários oriundos da inflação e de sua composição.

De forma direta, enxergamos os seguintes entraves à robustez do consumo: a) o achatamento da renda real média e a escalada da inflação, que ainda se mostra persistente e com um componente significativo vindo de choques de oferta, corroendo o poder de compra; b) a concentração da inflação em itens básicos, como combustíveis e alimentação, causando um impacto desigual para as famílias de renda mais baixa, o que tira o dinamismo da demanda, tendo em vista sua maior propensão marginal a consumir; c) o impacto dos juros no crédito, dificultando as famílias a contraírem empréstimos e até mesmo honrar suas dívidas pendentes – dados do Banco Central já mostram que as famílias estão menos dispostas a honrar com suas dívidas nos últimos meses.

Os gráficos abaixo ilustram, em especial, os primeiros dois pontos. A composição da inflação corrente destrói a demanda de maneira mais marcante, no mesmo movimento em que comprime a renda real.

Cenário Externo desafiador

No plano internacional, os bancos centrais de países desenvolvidos sinalizam posturas mais restritivas em meio a uma inflação com importantes elementos de oferta, fazendo surgir o medo da estagflação. No geral, apertos monetários em economias desenvolvidas afetam também os mercados de títulos de países emergentes, potencializando uma fuga de capitais e pressionando o câmbio.

A guerra na Ucrânia também preocupa, pois pressiona os preços de commodities e, consequentemente, gera mais inflação. Em especial, é uma inflação que efetivamente destrói demanda, reduzindo a renda real dos países desenvolvidos. Ainda no cenário externo, a fraqueza da atividade chinesa é um ponto de tensão, que pouco contribui à economia brasileira. Expressão desta fraqueza é o fato de, pela primeira vez, a expectativa mediana do mercado para o crescimento chinês ficar abaixo da meta definida pelas autoridades (3,0% vs 5,5% de meta).

A desaceleração da economia chinesa possui elementos tanto de conjuntura quanto de estrutura. Do ponto de vista conjuntural, a política de covid zero estabelecida pelo governo chinês gera efeitos de curtíssimo prazo na atividade, fora o risco de ocorrerem novos lockdowns à frente. Do ponto de vista estrutural, há uma fraqueza no setor de infraestrutura e no mercado imobiliário, altamente alavancado.

O alto endividamento, combinado com a queda de preços e problemas financeiros, além de orçamentos fiscais mais apertados nos Governos regionais; tornam difícil reproduzir a expansão deste setor, que foi fonte fundamental de crescimento no passado.

Síntese

No geral, é desafiador o ambiente para o restante do ano quanto à manutenção da trajetória de crescimento da economia brasileira. A reversão do dinamismo do investimento neste ano já foi apontada nos dados do primeiro trimestre deste ano e, embora o consumo tenha se mostrado aquecido nos primeiros dados divulgados, parte do dinamismo deriva de estímulos pontuais, e os efeitos do aperto monetário e da inflação estão sendo cada vez mais sentidos nos componentes da demanda. Ademais, um ambiente político incerto na antessala de eleições e um cenário externo conturbado também contribuem negativamente para a manutenção dessa trajetória.