Olá, leitores. Bem-vindos a primeira edição de nossa série Macro Ramblings.

Ao contrário de outras postagens neste espaço, nesta série procuramos um formato mais livre e informal, dedicado a abrir o que temos pensado, “on the fly”. Ao invés de trazer um tema específico e estruturado, nosso intuito é dividir o que tem chamado nossa atenção, para o bem e para o mal, no ambiente macro internacional. Queremos ser transparentes inclusive nas referências que nos auxiliam a pensar sobre o que estamos enxergando. Por isso, compartilharemos também trechos de opiniões ou apontamentos de terceiros. Dividiremos com vocês importantes perguntas, cujas resoluções devem ditar a dinâmica das economias e dos mercados nos meses à diante.

Antes de começarmos, vale a pena uma pequena introdução. Christian Thorgaard, Head de Macro e Data Science da MT2 Data, irá conduzir a redacao desta série. Christian é o responsavel pelas atividades de research e modelagem macro, além das atividades de análise e predictive analytics em nossas verticais de consultoria.

Ao longo dos últimos meses temos acompanhados importante mudanças no tabuleiro de peças que descreve a economia, a geopolítica e os mercados globais. Naturalmente, alguns desenvolvimentos nos interessam mais do que outros.

São justamente estes que vamos explorar nestas linhas.

1. Inflação americana: Qual será a “cara” das próximas leituras?

Aqui nossa atenção se volta mais para a possibilidade (ainda marginal em termos de expectativas) de leituras mais brandas à frente. Continuaremos a observar abrandamento das pressões no núcleo de inflação (métrica que exclui comida e energia)? Há espaço para a deflação nos preços de bens seguir a diante?

Em março os preços dos artigos industriais cederam 0,4%, na esteira dos bens duráveis (-0,9%), que foram puxados pelos itens mais afetados pelos desequilíbrios inaugurados com a pandemia, particularmente itens ligados ao setor automotivo. De outro lado, a inflação de serviços avançou nas últimas leituras, mas de maneira muito tímida. Quer dizer, o ritmo de aceleração na inflação de serviços foi mais brando do que o movimento de queda nos industriais, amenizando a trajetória para o núcleo. Do ponto de vista do índice cheio, as pressões em alimentação e energia legadas pela crise em torno do conflito Ucrânia e Rússia e seus impactos sobre as commodities devem continuar mantendo a inflação bem pressionada.

Seguem alguns tweets e gráficos que nos ajudam a pensar sobre o assunto:

Nestes gráficos, coletados no FRED, observamos as variações na margem de diferentes itens que compõem o índice de preços ao consumidor. Em destaque, notamos que os serviços, em particular o núcleo, aceleram timidamente ante a virada nos preços de bens. É possível notar também a importância dos bens duráveis para o movimento, com a primeira queda na margem desde jan/21.

Nesta coleção de tweets e gráficos temos dois aspectos importantes: Primeiro, o reforço, aludido por Lael Brainard (vice-chair do FED), de que o elemento central a gestão da política monetária é justamente o núcleo de inflação. Daí a importância da nossa pergunta a respeito de sua trajetória. Segundo, a ilustração de “momentum” e aceleração do núcleo e de importantes componentes. Ou seja, os gráficos de aceleração ilustram se a inflação tem acelerado ou perdido fôlego.

Aqui uma sugestão intrigante: a hipótese de que a surpresa para com a inflação será um arrefecimento mais rápido dos núcleos, em contraste a hipótese de surpresas altistas, dado o background em commodities. O mecanismo seria uma elasticidade preço da demanda maior do que o esperado. Dito de outra forma, os maiores preços (pela inflação já acumulada) reduziriam demanda em intensidade maior ao esperado pelos agentes quando projetam inflação.

Neste outro temos um gráfico expondo as causas de maior preocupação entre pequenos empresários americanos.

A pergunta que fica é: o fato de a inflação ser o problema #1 ilustra a dimensão e persistência da pressão, inclusive à frente; ou seria essa uma possível sinalização, como sugere o autor, de que a economia não esboça o mesmo dinamismo recente e que o quadro está mudando?

2. Quão longe irão as taxas de juros? 

Mais do que o ritmo, o tamanho do ciclo de ajuste nos parece central. Uma inflação sequencial (na margem) mais branda nos núcleos poderia amenizar a necessidade de ir muito longe nos juros, mas dificilmente alteraria o pace de altas nas próximas reuniões, precificado e sinalizado em 0,5 p.p. Em linhas gerais parece existir, dentre os analistas, 2 tipos de análise com diferentes nuances: a inflação continuará amplamente pressionada e o FED teria de apertar excessivamente, para algo como 3,5-4,0%; ou a inflação perderá fôlego e algum tipo de “soft landing” seria administrável. Esta última visão merece um pouco mais de nuance. Alguns enxergam que a inflação vai arrefecer com aperto moderado de juros, apostando que a economia está robusta o suficiente para receber o aperto sem perder as pernas. Outros entendem que um susto com o crescimento, a partir da desaceleração da economia e da inflação, dispensaria o ajuste recessivo nos juros. De qualquer forma, ambos parecem desconsiderar os juros indo muito além do neutro, isso se lá chegar.

Nós entendemos que o pivot na comunicação e na precificação de mercado acabou por promover um “frontload” no aperto das condições financeiras como um todo, com fortalecimento do dólar, abertura de treasuries e de spreads nos mercados de crédito. Imaginamos que este aperto nas condições financeiras, que mais recentemente foi acrescido de alguns ajuste nos mercados de renda variável, deve afetar a economia mais cedo do que tarde. Não temos fortes convicções sobre o tema, mas suspeitamos que, quando o FED estiver aproximando-se do juro neutro (2,5%) o outlook para a economia pode estar pessimista o suficiente para uma pausa no processo; mas não sombrio o suficiente ao ponto de antever uma recessão. Sem dúvida, esta suspeita conta com um pano de fundo benigno para o núcleo da inflação em particular, o que reduziria os temores a respeito de efeitos de segunda ordem do choque em energia e alimentação com a guerra.

3. Quão material é o risco de recessão lá fora?

Com exceção da Europa, que sofre em especial com a perda de renda real a partir do choque inflacionário pós-guerra e vindo de um nível de atividade pouco dinâmico; este ainda é um risco difícil de acessar.

Nos EUA, a atividade corrente não demonstra fraco dinamismo. O dado para o PIB do primeiro trimestre de fato revelou queda na margem, mas destacamos que a demanda seguiu amplamente robusta.

Na verdade, da queda anualizada (procedimento que anualiza a taxa de variação na margem) de 1,4%, -3,2 p.p vieram do setor externo e -0,8 p.p da redução de estoques. O investimento empresarial e os gastos de consumo das famílias anotaram, na verdade, ganho de tração em relação ao anotado no fim de 2021. Os dados de mercado de trabalho têm sido especialmente fortes, em especial a expansão na taxa de participação da força de trabalho e os números de geração de vagas.

Ainda assim, a normalização na política monetária e o aperto de condições financeiras deve produzir o arrefecimento da atividade, que tampouco conta com os estímulos fiscais dispensados nos dois anos anteriores. A atividade no mercado imobiliário, que tem sido bastante sólida, parece estar mostrando sinais de moderação, conforme indicadores antecedentes e por trás de alguns aumentos notáveis ​​nas taxas de hipoteca (para norte de 5,0% de menos de 2,0% no ano passado).

Esses fatores se somam à forte elevação nos preços de energia e alimentação, que devem afetar a renda de maneira mais expressiva do que observado na inflação mais relacionada aos efeitos da pandemia. Como bem coloca a economista Frances Donald, reproduzida em cima, “Você pode optar por não consumir carros, renovar a casa ou comprar equipamentos de academia [em alusão aos itens que puxaram a inflação na pandemia]; mas você não pode optar por não consumir comida ou energia.”

Ao fim, esta composição da inflação (concentrada nos artigos de primeira necessidade) tem um potencial de destruição de demanda de fato bem maior. Este ponto da equação (a dinâmica prospectiva dos preços de alimentação e energia) é bastante incerto em termos de perspectivas. Seu futuro depende do outlook para os preços de petróleo, do trigo e de todas as commodities amplamente afetadas pelo conflito na Ucrânia. Então, em muitos aspectos, as perspectivas para estes componentes dependem da longevidade do conflito, de seus efeitos defasados sobre a oferta, além da persistência e extensão das sanções aplicadas sobre a Rússia.

O problema porem não refere-se apenas ao fato destas perspectivas serem incertas, mas ao fato de esta incerteza ampliar, ela mesma, a incerteza em torno da política monetária. Explicamos: se o núcleo arrefecer bem mas o índice cheio seguir amplamente pressionado com avanços em energia e comida, estaria o FED satisfeito ou iria perseguir mais juros até ancorar o índice cheio?

A maré política também mudou, na medida em que a inflação se tornou a principal reclamação política dos eleitores e o ponto de atenção dos políticos. Isso aumenta a pressão, potencialmente, para que o FED vá mais longe nos aumentos das taxas, o que, é claro, deve provocar uma recessão real. Difícil fazer este “call” agora.

Por fim, vale ressaltar que toda essa comunicação austera das autoridades monetárias pode ter um importante elemento de retórica. Uma coisa é essa comunicação vindo de juros em zero, com desemprego historicamente alto e economia dinâmica; outra coisa é falar no contexto de juros já próximos do nível neutro e tensões no ritmo de evolução da atividade e do emprego.

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